sexta-feira, 29 de abril de 2011

Casamento real


Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte. O nome pomposo abriga o regime de governo de Monarquia Constitucional vigente desde o século V. Formado por Inglaterra, Gales, Escócia e Irlanda do Norte, é uma das nações mais ricas do Planeta. Possui agricultura altamente mecanizada, reservas de carvão, gás natural e petróleo. Sua moeda própria (libras esterlinas) domina a área de serviços com bancos e seguros para empresas. 

Além do lado econômico, a Monarquia Inglesa é historicamente uma potência política. E a mais antiga instituição de governo no Reino Unido. Exemplo da força do regime demonstrada no rompimento com a própria igreja Católica no século XVI. O motivo foi a não permissão de divórcio ao rei Henrique VIII. Depois deste, acontece o reinado de Elizabeth I, conhecido como o período Elisabetano que configurou a Idade do Ouro da história inglesa:  a fundação do Império Britânico e a crescente produção artística abrindo espaço para artistas como William Shakespeare.

Hoje, séculos depois dos governos de Henrique VIII e Elizabeth I, vemos o casamento de um príncipe acontecer com toda pompa, circunstância e excessiva cobertura midiática. O próprio regime monárquico se modificou: a noiva por ter vivido 5 anos com o príncipe não se submetará ao exame de castidade. Como William e Kate Middelton moraram juntos 5 anos na Universidade em que ambos estudavam, a rainha Elizabeth II alegou que esse exame é ultrapassado e livrou a noiva de maiores constrangimentos. Tudo para não macular a imagem desse momento histórico, que para o advogado Francisco Bilac, se configura como um espetáculo de culto à tradição: 


O culto à Coroa é intrinsecamente um culto ao tradicional, ao que não se modifica, ao que seja perene, ao que seja intocável, ao que, menos hoje do que antes, seja de
inspiração divina. Daí a necessidade de se valorizar a perenidade das instituições e não ignorar totalmente o que seus antepassados lutaram tanto para conquistar. 

Entende-se perfeitamente a construção do espetáculo por parte da família real. O que chama atenção é a excessiva cobertura da imprensa. Tem-se visto manchetes como: quem vai fazer o bolo do casamento real, conheça a universidade que o príncipe e a noiva se conheceram ou casamento real vira peças de brinquedo. Esses são apenas alguns dos inúmeros anúncios que surgiram na internet desde que foi publicada a primeira nota sobre o casamento. Existe até um vídeo feito para a noiva Kate Middleton que foi noticiado.




O fato é que a Inglaterra é uma grande potência há séculos e essa ocasião merece repercussão em cenário internacional. Porém, tudo na dosagem exata. Aliás, a imprensa parece estar errando demasiadamente a mão quando se trata de dosagem das coberturas de grandes temas. Quando se trata de tsunami, são exagerados; massacre no Rio de Janeiro, taxativos; no casamento real, extremamente verborrágicos. 

Se fosse a cobertura de grandes temas fosse a feitura de um bolo, diria que os ingredientes estão em excesso e a maneira de fazer está ultrapassada. Há tempos. 



Texto: Marcos Corrêa

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Sem happy end

El 'happy end' ha sido, y es, un arma ideológica para alertar y consolidar el conformismo en grandes sectores del pueblo
                                                Tomás Gutiérrez Alea.


A frase é do diretor e roteirista do filme cubano Memórias del subdesarrollo (Memórias do subdesenvolvimento), de 1962. O pensamento resume bem o filme que mostra Havana nos primeiros anos após a Revolução de 1959. 

Sob o olhar de um homem de meia idade, sozinho e descontente com a mentalidade e as condições sociais de Cuba, o diretor cria o universo particular de Sérgio Carmona Mendoyo (interpretado por Sergio Corrieri) e o mistura ao contexto socio político de uma Havana que dá os primeiros passos de governo sob o comando Fidel Castro.    


 
                                                                 Sergio Corrieri: a personagem que pontua toda a história. 


Sérgio tem 38 anos, recém divorciado, foi abandonado pela mulher, perdeu o amigo que resolveu mudar de país e é sobrevive com o dinheiro de propriedades alugadas. Infeliz com a mentalidade "subdesenvolvida" de Cuba, apresenta em paralelo suas frustrações pessoais, suas faltas. Chega a se comparar com um vegetal grande mas sem frutos, sem realizações.

A densidade da personagem aumenta quando se envolve com uma mulher mais jovem. Tem um certo caso e quando tenta se livrar da mulher, é acusado pela família de seduzir a menor, que tem apenas 16 anos. Livra-se da acusação e volta ao seu universo triste, silencioso e extremamente observador: as ruas, os hoteis, as pessoas de Havana tem um olhar que diz muito sobre o contexto da época. 

Na tela o momento de efervescência: multidão calorosa, dedos em riste, batuques pelas ruas, lutas e desejo de mudança. Havana carrega em suas ruelas repletas de casarões, o olhar de futuro próspero que é desejo de quem lá vive. Realidade da  ficção dos anos 60 e da vida real na atualidade. E Sérgio segue sua rotina, feliz na medida do possível. E sem "happy end".



Texto: Marcos Corrêa

sexta-feira, 15 de abril de 2011

A esquerda da esquerda em Cuba



Governo cubano

O que um país de regime socialista oferece para a população local? Saúde, segurança, educação. Essa resposta vem na ponta da língua mesmo de quem pouco conhece sobre o regime cubano. Cuba tem um dos menores indices de mortalidade infantil da América Latina e a educação também é prioridade para o governo. Mas os cuidados com educação e saúde vem acompanhados de um rigor violento que controla e por vezes cega a população.

 
                            Família cubana na Plaza de La Revolución

Me hospedei ilegalmente na casa de uma família cubana no bairro de Vedado, em Havana. Ilegal porque a casa em que fiquei não é registrada pelo governo para receber turistas. Conheci a família ao acaso, enquanto procurava um hostel indicado por uma amiga Pollyanna Bastos. Eles me hospedaram, com eles pude conhecer o cotidiano local e descobrir uma Havana com um olhar não turístico.  Conviver alguns dias com a família foi mais de 50% do descobrimento que vivi em terras socialistas.

Um universo politico e social bem diferente do nosso. Na TV existem somente 5 canais e todos exibem programações a la “porque o socialismo é bom para o mundo”. Alguns cubanos roubam o sinal de TVs a cabo e assistem filmes norte americanos e novelas brasileiras. Alias, essas são um sucesso por lá e aparecem sempre acompanhadas de elogios ao futebol e às praias. Quanto ao sinal de TV roubado, se descoberto, leva a família inteira presa. O curioso é que quando se faz algo ilegal, os cubanos usam a expressão “fazer pela esquerda”. Como: “gosto muito de ver novela, mas o governo não deixa. Então roubo sinal de uma outra casa. A gente tenta agir bem, mas se não dar a gente faz pela esquerda mesmo”. A esquerda como sinônimo de errado, illegal, é uma ironia intrigante. Se o governo se considera de esquerda, para os cubanos, quando não tem liberdade de escolha – ainda que de eleger um canal de TV – agem pelo lado B, pela esquerda da esquerda do regime de governo.


               Pobreza: irmãs dividem o patins para brincar.

A economia de Cuba também é bem particular. E controlada. Existem duas moedas: os C.U.C s (moeda dos estrangeiros e com o valor quase equivalente ao do Euro) e os pesos cubanos (valem exatamente 25 vezes menos que o C.U.C.). Sendo uma moeda para turistas e outra para cubanos, existe uma desvantagem para os nativos. E eles não entendem o porque das duas moedas e mesmo sendo uma moeda cara, a moeda de turistas não beneficia a população cubana. Restaurantes, bares e vendas do centro da cidade (Havana Vieja) cobram o pagamento em C.U.C.. Como a população local não tem essa moeda, acabam por ficar privados do lazer, de compras, de liberdade.  Conheci um cubano de 20 anos que já foi professor de história. Ganhava 200 pesos para dar aulas. O equivalente a 8 C.U.C., o que um turista gasta facilmente em um almoço.

                            Capitólio atrai turistas para Habana Vieja

A crítica aberta que se pode fazer quanto ao controle do regime socialista é o de não beneficiar a população como um todo. Se existem funcionários do governo e famílias com carros modernos, não poderia haver pessoas trabalhando por um mês para ganhar o que um turista gasta em uma refeição. Se o socialismo puro e simples prega uma divisão igualitária de bens e menor concentração de renda, o regime que impera no governo cubano não é socilista. 



Texto: Marcos Corrêa